Salmos

Salmo 41 – E quando chega o dia mau?

Há momentos na vida em que as adversidades chegam todas de uma só vez. É uma conta inesperada, uma enfermidade repentina, uma notícia triste ou uma discussão sem resolução. Nós podemos dizer, à semelhança de Paulo, que este é o dia mau (Ef 6.13).
Recentemente tive que passar por uma enfermidade terrível, o meu notebook de trabalho queimou, precisava preparar as aulas, uma situação inesperada consumiu um bom valor financeiro, ouvi uma crítica que feriu o coração, etc. Tudo na mesma época!
No filme “Um dia de fúria” (1993), o ator Michael Douglas interpreta um homem que tem de lidar com a perda do emprego, o divórcio iminente, a distância da filha e as frustrações do dia a dia. Ele decide agir destruindo e matando tudo e todos que passam pela sua frente.
O rei Davi também enfrentou o dia mau, como vemos no Salmo 41. O contexto por trás deste salmo pode ter sido na época em que Absalão tomou o trono de seu pai (2Sm 15-17), sendo provável que o amigo traidor, citado aqui, tenha sido Aitofel (2Sm 16.15). Então, o salmo revela que Davi também enfrentou o dia mau.
O que fazer quando chega o dia mau? Só é possível enfrentar o dia mau com a perspectiva divina.
Veremos neste salmo de Davi quais devem ser algumas das nossas reações frente ao dia mau.

Relembre as bênçãos de Deus (41.1-3)

Em um momento de grande luta para Davi (enfermidade, pecado e traição), ele começa o salmo recordando as promessas de Deus aos misericordiosos. Ao que parece o termo “necessitado” parece ser muito mais aquele que se encontra enfermo do que aquele que é pobre materialmente.

Davi podia lembrar-se de quando agiu com misericórdia para com Saul (1Sm 24.1-22; 26.1-16) e seu neto Mefibosete (2Sm 9.1-13). O seu reinado foi marcado pelo socorro aos necessitados. Por agir assim, Davi pôde ver e experimentar a boa mão de Deus sobre a sua vida e reino.

Mt 5.7 [ARA] | Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.

Uma boa reação para o crente que enfrenta o dia mau é recordar as promessas divinas tais como, “[…] e eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século” (Mt 28.20), “se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida” (Tg 1.5), “se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1Jo 1.9).

Davi relembrou várias promessas de Deus para aqueles que agem com misericórdia: libertação (v.1b), proteção (v.2a), preservação (v.2b), bênção (v.2c), conservação (v.3a) e restauração (v.3b).

Na Lei mosaica, as bênçãos prometidas por Deus aos justos eram, principalmente, físicas, embora houvesse também bênçãos espirituais. Sob a Lei de Cristo (Gl 6.2), a maioria das bênçãos é espiritual, embora algumas são físicas.[1]

Há um famoso hino cristão que diz:

Conta as bênçãos, conta quantas são.
Recebidas da divina mão.
Uma a uma, dize-as de uma vez,
Hás de ver surpreso quanto Deus já fez.[2]

Uma reação natural diante da aflição é murmurar, reclamar contra o Senhor. Mas, se pudermos relembrar tantos momentos em que Deus nos abençoou, cuidou, protegeu, sustentou e livrou, poderemos enfrentar as lutas.

Quando visualizamos as promessas de Deus à nossa frente, somos animados a enfrentar o dia mau que nos sobrevêm.

Rejeite os seus pecados (41.4)

Davi reconhece e confessa o seu pecado ao Senhor. Não sabemos ao certo qual o pecado de Davi, mas é possível que se referia à sua negligência a família e filhos.

Nem sempre a enfermidade é consequência do pecado na vida do crente, mas algumas vezes está relacionado, como parece ser o caso de Davi neste salmo.

Tg 5.14-16 [ARA] | Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo, em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados. Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes curados […].

O rei Davi sempre foi alguém que procurava reparar os seus pecados. É verdade que ele falhou várias vezes, mas tinha um coração quebrantado diante do Senhor.

Por vezes, as nossas adversidades vêm por causa dos nossos pecados. Foi isso que os amigos de Jó pensaram sobre sua situação.

Em todas as situações desse tipo, o perdão do Médico dos médicos sempre deve vir antes dos tratamentos prescritos por médicos humanos.[3]

Geralmente, é no dia mau que somos levados a pecar contra o Senhor. São nestes momentos que os nossos pecados pessoais batem mais forte à nossa porta. É quando tudo dá errado que gritamos com os outros, ofendemos nosso cônjuge e filhos, fazemos loucuras financeiras ou sexuais, etc.

Quando reparamos os nossos pecados, somos animados a enfrentar o dia mau que nos sobrevêm.

Reconheça a fragilidade humana (41.5-9)

Em seu momento de debilidade, Davi encontrou-se cercado de inimigos. É preciso entender que os inimigos descritos neste salmo eram pessoas próximas a ele. Eram “amigos” que o visitavam no leito, mas que por trás aguardavam a sua morte.

Somos tão frágeis, porém, nos esquecemos desta verdade e, por vezes, estamos tentando nos engrandecer. O dia mau é uma ótima bússola para nos orientar e mostrar quem somos de verdade. Davi encontrou-se sem forças, sem argumento, sem estratégia, sem defesa pessoal. Foi aí que ele pôde perceber qual é a natureza humana.

Nesta seção do salmo encontramos algumas verdades a respeito da natureza humana.

1. Os homens são difamadores (v.5). Alguns dos que visitavam o rei Davi em seu leito de enfermidade espalhavam boatos e mentiras. No Antigo Testamento era usada uma palavra para “difamação” (hb. ragal) que significava “espiar uma terra”. Por vezes agimos como espias da vida alheia e saímos contando aos outros. O Senhor Jesus teve que lidar com falsas acusações (blasfemar contra Deus, profanar o sábado, ser um falso profeta, rebelião, conspiração, etc.).

2. Os homens são hipócritas (v.6-8). Davi teve de lidar com pessoas que fingiam ser amigos em sua frente, mas que pelas costas tentavam o apunhalar. Jesus Cristo também teve de lidar com várias pessoas que queriam apenas as benesses, mas não o caminho do discipulado. Ele condenou, frequentemente, os líderes de Israel que pregavam algo que eles mesmos não cumpriam. Esses líderes tinham um exterior bonito, mas o interior era podre.

3. Os homens são traidores (v.9). Talvez, o que mais partiu o coração de Davi nesta época, foi o seu amigo íntimo que o traiu. É provável que tenha sido Aitofel (2Sm 16.15) que o deixou juntando-se à Absalão e sua rebelião. Aitofel era avô de Bate-Seba (2Sm 11.3; 23.34) e, provavelmente, carregava em seu coração um ódio por aquilo que Davi fizera a ela e seu marido. Jesus usou esse verso para referir-se ao Seu traidor (Jo 13.18,26). É digno de nota a forma com que Aitofel (2Sm 17.23) e Judas (Mt 27.5) morreram.

Jo 13.18 [ARA] | Não falo a respeito de todos vós, pois eu conheço aqueles que escolhi; é, antes, para que se cumpra a Escritura: Aquele que come do meu pão levantou contra mim seu calcanhar.

Você não é o único a enfrentar o dia mau. O Senhor Jesus teve que lidar diversas vezes com a natureza e fragilidade do ser humano. Ele sentiu na pele o que significa enfrentar situações deste tipo, por isso pode prestar socorro em ocasião oportuna (Hb 4.16).

Quando reconhecemos a nossa natureza e fragilidade, somos animados a enfrentar o dia mau que nos sobrevêm.

Responda com fé em Deus (41.10-12)

Diante da enfermidade, do seu pecado, das falsas acusações e traições, o que o rei Davi faz?

1. Davi responde com oração (v.10). O dia é mau, portanto, ele clama e ora ao Senhor. Ele clama pela misericórdia de Deus. Quando o Senhor restabelecer a sua saúde ele quer retribuir o que é devido a cada um dos inimigos de Deus. Pode soar estranho esta oração de Davi, mas precisamos entender que ele era o rei escolhido e ungido por Deus para guiar o povo escolhido por Ele. Assim, todo aquele que tramava e era contra o rei escolhido por Deus estava indo contra o próprio Deus.

[…] pessoas nos tempos de Davi que se opunham ao rei ungido do Senhor, estavam se opondo ao próprio Senhor. O rei era um agente de Deus para julgamento em Israel. Esta situação não tem paralelo direto na Igreja.[4]

2. Davi responde com confiança (v.11). Ele entendia que o fato de seus inimigos ainda não terem triunfado nesta situação se devia ao agir de Deus. O Senhor ainda tinha prazer em Seu escolhido. Muitas vezes as provações da vida nos levam a duvidar da existência de Deus, do favor ou do amor de Deus para conosco. Precisamos manter a nossa fé e confiança em Deus independente das circunstâncias ao nosso redor.

3. Davi responde com integridade (v.12). O que cabia a Davi era manter a sua vida íntegra perante o Senhor. Integridade nada tem a ver com perfeição, mas com reconhecimento, confissão e amadurecimento. Jó foi um homem que manteve a sua integridade apesar das adversidades. Davi também deseja manter-se íntegro diante da presença do Senhor. Deus está observando para ver como lidamos com as tribulações da vida. É fácil servir quando Deus parece estar agindo favoravelmente em relação a nós. O grande desafio da vida é manter nossa fé em meio ao grande desespero. No entanto, este foi o teste de Jó. Este foi o teste de Davi. Este é o nosso teste.

Sl 23.6 [ARA] | Bondade e misericórdia certamente me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na Casa do Senhor para todo o sempre.

4. Davi responde com louvor (v.13). Finalmente, Davi responde ao dia mau com um louvor ao Deus de Israel. É o Deus de eternidade a eternidade, que conhece cada situação que enfrentamos que é louvado. Independente da luta, do momento, da dificuldade, Deus está lá, pois é eterno. Durante o dia mau, Horatio Spafford compôs o hino “Sou feliz com Jesus”.

Quando respondemos com fé em Deus, somos animados a enfrentar o dia mau que nos sobrevêm.

Conclusão

Quando o dia mau chegar podemos relembrar as bênçãos de Deus, rejeitar os pecados tentadores, reconhecer a fragilidade humana e responder com fé no Senhor.

Ef 6.13-18 [ARA] | Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e, depois de terdes vencido tudo, permanecer inabaláveis. Estai, pois, firmes, cingindo-vos com a verdade e vestindo-vos da couraça da justiça. Calçai os pés com a preparação do evangelho da paz; embraçando sempre o escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do Maligno. Tomai também o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus; com toda oração e súplica, orando em todo tempo no Espírito e para isto vigiando com toda perseverança e súplica por todos os santos.

Podemos enfrentar o dia mau segundo a nossa carne e perspectiva, como Michael Douglas no filme “Um dia de fúria”. Ou, podemos nos revestir da armadura de Deus enfrentá-lo segundo aquilo que Deus espera de nós.

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[1] CONSTABLE, Thomas. Notes on Psalms, p. 184. Tradução livre.

[2] CRISTÃO, Cantor. Conta as bênçãos, nº 329.

[3] MACDONALD, William. Comentário bíblico popular: Antigo Testamento, p. 414.

[4] CONSTABLE, Thomas. Notes on Psalms, p. 186. Tradução livre.

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